Já comentaram que esse estudo, publicado hoje na Cell, poderia ser apenas " um grão de sal" no mar do autismo. Tantos grãos são necessários, é verdade. Mas o todo sem a parte não é todo. E esse grão traz luz a uma luta inglória em que temos nos engajado. Se temos tentado mudar a crença cartesiana que o autismo não está só no cérebro, e a afirmação de que todos os comportamentos que os autistas apresentam são apenas manifestações características da condição, esse grão tem um tamanho muito grande.
Nós sempre defendemos que o autismo não está só no cérebro, mas que se manifesta por alterações em múltiplos órgãos e sistemas. Mas a questão dos problemas sensoriais dos autistas sempre foi colocada como um problema exclusivamente comportamental. Então, em se considerando apenas a questão dos distúrbios do Sistema Nervoso, um novo estudo, mesmo tendo sido desenvolvido em laboratório, nos esclarece mais sobre o problema sensorial, nos alertando que ele não é só comportamento, é físico.
Esse novo estudo mostrou que o sistema nervoso periférico (O sistema nervoso que funciona a partir da medula espinal para o resto do corpo) pode também desempenhar um papel importante no autismo. Ele examinou ratos afetados por mutações num gene relacionado com o autismo, o chamado MeCP2. Eles aplicaram estes genes no sistema nervoso periférico dos camundongos isoladamente, para que eles pudessem se concentrar exclusivamente sobre este sistema. Embora a mutação do gene tenha sido limitada ao sistema nervoso periférico, os ratos exibiram características globais semelhantes ao autismo. Eles foram sensíveis à sopros suaves de ar em suas costas e não conseguiam distinguir entre texturas ásperas e lisas. Qualquer semelhança com nossos meninos e meninas não é mera suposição.
Ainda mais interessante de notar-se neste estudo foi o comportamento dos animais. Os ratos com o gene mutante periférico eram muito menos sociais do que os outros ratos. Além disso eles mostraram mais sinais de ansiedade. Os cientistas descobriram também que os ratos mutantes tinham baixos níveis de receptores de GABA, um neurotransmissor, que também tem sido ligado ao autismo.
O ponto importante deste estudo para mim é a demonstração de que o Sistema Nervoso Periférico também pode estar afetado no autismo. Então eles realmente funcionam como se "o botão do volume estivesse girado até seu ponto máximo". Vários autistas adultos relatam seus problemas sensoriais, e comemoro que a Terapia de Integração Sensorial têm sido indicada mais frequentemente para modulação deste distúrbio. Porém a compreensão de pais, profissionais e terapeutas de que essa sensibilidade não é só mais uma mania, o entendimento de que quando eles dizem que certos sons doem, de que cortar o cabelo os fere, que certos toques, texturas, sabores e luzes os incomodam ao extremo se torna de extrema importância para o planejamento de nossas intervenções e o modo como os compreendemos.
A forma como os autistas processam estímulos depende da atividade do Sistema Nervoso Periférico e tanto a Terapia de Integração Sensorial e a modulação deste sistema com ação sobre a neurotransmissão ( Modulação Gabaérgica periférica,por exemplo)pode ser de extrema importância.
Se emoções podem ter origem no intestino, sociabilidade pode ser uma questão de pele.
Orefice et al. Peripheral mechanosensory neuron dysfunction underlies tactile and behavioral deficits in mouse models of ASD. Cell, 2016 DOI:10.1016/j.cell.2016.05.033